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A esquerda não tem futuro na frieza pragmática.



Sued Carvalho, professora


O propósito deste texto não é fazer uma crítica ferrenha ao governo Lula, ao lulismo ou ao Partido dos Trabalhadores (PT), mas sim incitar a reflexão sobre os erros políticos cometidos que estão nos levando para o mesmo caminho que desembocou no golpe de 2016: Um governo de pautas rebaixadas, com uma agenda mínima que não toca nos problemas estruturais e firmado em acordos de gabinete.


A reclamação sobre a forma de atuação do governo, seu rebaixamento e seus acordos com a direita suscitam sempre respostas como: “Que alternativa temos? O Congresso é de direita!” ou “Você fala como se fosse fácil para o Lula fazer algo diferente”. Vamos lá! Primeiro que afirmar que o governo deveria seguir um rumo diferente não significa, necessariamente, perceber isso como “algo fácil”; segundo que sim, existe alternativa, a mobilização popular! O governo Lula tem apoio da maior parte das Centrais Sindicais, o presidente é uma figura popular que consegue reunir grandes massas, porém não às chama para participar e pressionar, acreditando poder resolver tudo com sua “milagrosa” habilidade de negociação.


É realmente “milagrosa” a capacidade de negociação de Lula? É inegável que o presidente é um político habilidoso, inteligente e dono de um instinto único, além de dono de uma retórica invejável, porém sua “conversa” não tem conseguido fazer com que os interesses populares sejam ouvidos, assim como não tem funcionado para impedir a demolição do poder do executivo e a instalação de um parlamentarismo não oficial!


O Congresso reacionário derrubou 13 vetos do governo, entre eles o Marco Temporal que pode tornar impossível que comunidades indígenas tenham suas terras demarcadas a partir de agora, sem falar que partidos que possuem ministérios, como o Republicanos (Silvio Costa Filho é ministro de Portos e Aeroportos), não votaram a favor do Governo em diversas discussões (O Republicanos apoiou o governo Lula apenas em 46% das votações, segundo o Congresso em Foco). Não podemos esquecer também Arthur Lira, que continua a sabotar e diminuir a força do governo, mesmo com o apoio do Partido dos Trabalhadores (PT) à sua reeleição no início deste ano.


As evidências demonstram de forma transparente que a habilidade de negociação do Lula é muito boa, mas não é milagrosa. Não parece promissora a hipótese de que o governo “progressista” conseguirá se manter através de acordos de gabinete que sequer estão rendendo votos nas Casas Legislativas.


Quando o governo Lula não está perdendo ou sendo sabotado, está emplacando vitórias de Pirro, como o arcabouço fiscal que condicionará a capacidade do investimento federal à arrecadação do ano anterior buscando o “déficit zero”, algo que irá obrigar o Estado a aumentar impostos (Já se estuda a volta do DPVAT e não será o último), flexibilizar o investimento mínimo obrigatório em educação e saúde, propor o fim da desoneração da folha de pagamento (O que irá acabar com o incentivo à empregabilidade de diversos setores da economia) e contingenciamentos em diversas áreas.


Como alcançar e manter o déficit zero? Contendo gastos e aumentando arrecadação, duas coisas que o Brasil não precisa.


O aumento de impostos, contingenciamentos e a demonização do “déficit” (Para impulsionar o crescimento o governo precisa poder adquirir dívidas e em momentos de estagnação e perigo de recessão o Estado deve aumentar seus gastos para impulsionar o crescimento, não diminuir) podem, em longo prazo, prejudicar bastante o governo, afinal ninguém quer pagar mais tributos e áreas essenciais do governo foram por demais comprometidas durante os governos Temer e Bolsonaro e continuarão no bico do corvo se não tiverem seus orçamentos restituídos. Caminhando como está o crescimento nos próximos anos pode ficar comprometido e a popularidade do governo derreter.


Após argumentar, dando alguma base para minha tese de que “há alternativa, pois não podemos contar só com a negociação do Lula”, normalmente escuto a resposta “Entendemos perfeitamente este problema, porém não é o momento ainda de dar esse passo, é necessário primeiro educar os trabalhadores”. Chegamos então ao impasse, pois se se diz que é primeiro necessário educar os trabalhadores, por que não se tomam medidas nesse sentido? O governo parece jogar com uma política de resultados despolitizada, onde o povo veria a melhoria em sua vida e passaria a apoia-lo, isso já deu errado antes e não será diferente desta vez.


Melhorar a vida do povo é essencial, sem isso não há qualquer possibilidade de conseguir e manter seu apoio, contudo este é o primeiro passo, os resultados precisam ser acompanhados pela formação política, a classe trabalhadora precisa perceber que o resultado positivo tem uma raiz necessariamente política, que são possíveis por sua ligação necessária com uma concepção de mundo de esquerda. Mais atrapalha do que ajuda afirmar que os resultados positivos advém de apenas de um “trabalho bem feito”, não interessando “essa coisa de direita ou esquerda”.


O apoio da base popular conseguido através de resultados, sem qualquer educação política ou avanço na consciência, se esvai no momento em que os resultados minguam. Não é um filme novo! A população brasileira experimentou uma melhoria na qualidade de vida nos governos Lula e Dilma (Essa melhoria estava condenada desde o início, porém não é o propósito deste texto discutir isso), porém isso não foi acompanhado de campanhas de conscientização e educação política e, logo que chegou a crise, o governo ficou vulnerável aos ataques da burguesia e da mídia e o PT foi defenestrado do poder sem resistência.


Temos evidências suficientes para afirmar que, na verdade, não há intenção do governo Lula e de boa parte do Partido dos Trabalhadores (PT), de organizar a população e aumentar a consciência política da classe trabalhadora e “Primeiro temos que elevar a consciência política da população” é mais uma desculpa para o presente do que um plano para futuro.


O governo Lula é fruto do pragmatismo frio que resigna diante da realidade concreta, aceitando-a como natural, adaptando-se aos seus métodos para manter o coeficiente eleitoral. Eu não sou uma idealista, nem uma porra louca, não critico o governo Lula por negociar com o congresso (O presidente da República precisa negociar, estando no sistema burguês), mas por não ir além, tampouco desconsidero a importância no cenário atual de ter um bom coeficiente eleitoral, contudo sou avessa à perspectiva que percebe os trabalhadores como apenas eleitores e a visão de curto prazo que resulta naturalmente dai (Se meu único objetivo é ganhar votos, irei trabalhar para isso, sem qualquer projeto de longo prazo em mente, algo que exigiria consciência política da base).


Não há futuro para esquerda no pragmatismo frio! É necessário ser pragmático na tática, mas sem esquecer os objetivos centrais! O que queremos não virá de negociatas de congresso, mas sim da organização da classe trabalhadora e sua conscientização. Se queremos enfrentar Lira, Pacheco, Bolsonaro e os interesses que representam, precisamos arregaçar as mangas e trilhar o caminho mais difícil!


Diversas vezes ouvi aquela frase escrita no segundo parágrafo, que é “Você fala como se fosse fácil” e a resposta é não, não falo como se fosse fácil e sei que é extremamente difícil, mas cabe a pergunta: Tem outro jeito? Vamos condicionar eternamente nosso projeto político a vontade de um Arthur Lira ou outro qualquer? Não há futuro para nós no cretinismo parlamentar.

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