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ATENÇÃO PATRIOTAS : PABLO VITTAR É LULA !

Por Peterson Pacheco, Jorge Alexandre Lucas, Marcione Oliveira e Darlan Reis Jr.



Vimos, ontem e hoje, forte reação dos setores progressistas em flagrante inconformidade contra decisão monocrática do Min. do TSE, Raul Araújo, que concedeu liminar proibindo manifestações políticas no Festival Lollapalooza, depois da artista Pablo Vittar agitar uma bandeira/toalha com a imagem do presidente Lula.



Artistas, políticos, influenciadores, todo mundo aderindo ao repúdio de um ato que, sim, trata-se da mais desbragada ação de censura. Óbvio que descabida, e, de tão torpe, fadada ao fracasso. Imagina o que é dizer para uma multidão que ela não pode fazer alguma coisa, que está proibida. Se existir uma fresta de possibilidade, é exatamente isso que a massa o fará. Num festival de música ( pop e rock ) seria impossível efetivar tal censura.

A reação contra censura gerou apelos e consagrou apoio em favor de Pablo Vittar. Os meios de comunicação, pelo menos as empresas de comunicação que tem produzido eventos de choque contra o Bolsonaro, trataram de decretar: BOLSONARO PERDEU.



Talvez sim, a leitura de que a tentativa de censura contra o festival foi ruim para a imagem do candidato à reeleição faz todo sentido. Ocorre que é preciso pensar em outros vetores de ação política.

Uma outra perspectiva problematiza um pouco mais os efeitos da controvérsia Bolsonaro X Pablo Vittar. Sim, apesar de vários artistas e em várias apresentações, o palco e o público do festival manifestarem oposição a Bolsonaro, foi justamente contra a ação da artista Pablo Vittar que o campo político bolsonarista resolveu se opor. Seria uma novidade?



Não existe nenhuma novidade no uso da imagem da artista Pablo Vittar nas controvérsias da redes bolsonaristas. Pelo contrário, o que mais se observa nessas redes é a proliferação do preconceito e do discurso de ódio, todos pautados numa espécie de obsessão pela artista.

Dessa maneira, para a produção de conteúdo da esfera de influência de Bolsonaro, a oposição feita pela artista em nada afeta sua força. Nenhum voto seria perdido, absolutamente nenhuma pessoa seria desprendida da ação gravitacional das redes de influência bolsonaristas por conta da ação política de Pablo Vittar.


Porém, aí a questão alternativa ao discurso que sacramenta uma derrota na comunicação de Bolsonaro, lembra que é extremamente usual nas redes bolsonaristas o uso da imagem de artistas LGTBI+ como instrumento imagético de demarcação de uma linha divisória: NÓS E ELES.


Quer dizer, usar imagens que liguem as pautas identitárias ao campo progressista é um instrumento de comunicação ordinário das redes bolsonaristas. Então, qual a diferença agora?


A diferença é que Bolsonaro conseguiu "COLAR" a mensagem "Pablo Vittar é Lula", não apenas nas suas redes de influência, mas, em praticamente toda plataforma de comunicação digital ou analógica, país afora.


Derrota, talvez sim. Se pensarmos de uma forma mais ampla, em algum momento da disputa eleitoral a imagem preconceituosa de Bolsonaro pode ajudar os setores progressistas produzirem uma comunicação de consenso. Mas, num cenário onde Bolsonaro começava a ver suas redes de influência política se contraírem, talvez essa rajada de comunicação Backlash e Ativismo Troll seja uma baforada de sorte.


Ocorre que, com a perda do campo lavajatista e sucessivos enfraquecimentos estimulados em forte grau pela torpeza do próprio candidato, o discurso antivacina que provocou desaprovação entre as mulheres (mesmo as evangélicas), a atual denúncia contra pastores flagrados cobrando propina para liberação de verbas do MEC, tudo somado faz com que as redes de influência bolsonaristas careçam de reaglutinação, e nada melhor do que um bom material que a literatura resume como : VIÉS DE CONFIRMAÇÃO.


O viés de confirmação é toda aquela comunicação produzida com o objetivo de reforçar laços, confirmar pertencimentos, lembrar valores e visões de mundo. E, por mais lamentável que possa parecer, um forte viés de confirmação dentro das redes de influência política bolsonaristas tem sido a demarcação de um campo moral reacionário. Nesse campo, dizer que Pablo Vittar é Lula funciona como viés de confirmação: a aglutinação a partir do preconceito, funciona.


Que bom que Pablo Vittar pode e fez campanha em favor de Lula. Mas, numa perspectiva bastante pragmática, essa comunicação não parece ser uma novidade no campo progressista. Apoios são sempre bem vindos e esse em particular pode sim ser bem relevante, Pablo se comunica com uma juventude muito ampla. Mas, essa juventude alcançada pela artista não chega ser exatamente os 30% que Bolsonaro tanto persegue.


Esse é o jogo. Na luta pelos seus 30% de apoiadores mais expostos à sua influência, as redes bolsonaristas precisam de toda forma de reforço. Moro como traidor do "mito" ou Pablo é Lula, tudo vira comunicação de "viés de confirmação". Não há, pelo menos nesse momento, necessidade dessa comunicação bolsonarista ampliar sua base social. Em jogo está a consolidação e a confirmação de uma base que sempre esteve bastante exposta à sua influência, e que é uma base que consagra definitivamente a viabilidade de um segundo turno com Bolsonaro.



Essa é uma outra forma de entender o sucesso de comunicação da censura no Lollapalooza. A controvérsia com Pablo Vittar anima as redes bolsonaristas, é um conteúdo muito positivo para o viés de confirmação, e, melhor, tem sido uma comunicação que circula livremente e abundantemente para além das fronteiras das redes bolsonaristas. Isso é muito, sobretudo quando sabemos que as redes bolsonaristas são profissionalizadas e muito capazes de influir na dinâmica eleitoral.


Sobre essas redes de influência política bolsonaristas vale a pena lembrar, são organizadas e produzem conteúdo com forte apelo engajador, principalmente manipulando as plataformas de comunicação.

Essas redes políticas nas plataformas digitais, redes que se organizam em grupos e listas que tem majoritariamente conteúdo político / eleitoral, são objeto de estudo de especialistas em TI e Ciência Política. O que consideramos relevante aqui é notar um consenso que a literatura parece construir no sentido de distinguir bem claramente grupos e listas não-políticos e grupos e listas políticos. E, ainda nesse consenso, identificar que esses grupos e listas que conformam as redes políticas, não tem nada que se pareça com amadorismo ou espontaneidade. Pesquisas conseguem identificar padrões e sugerir tipologias. O trabalho de Josemar Aves Caetano (et al.), por exemplo, depois de mergulhar numa amostra com 270 mil mensagens e mais de 7 mil grupos de Watsapp, oferece claras distinções que materializam a profissionalização das redes políticas: i)padrões de horários e intervalos na postagem das mensagens; ii)padrões organizativos entre os membros das redes, claramente identificando, nas redes políticas, "usuários produtores"; "usuários repercusores" e "usuários disseminadores"; iii) nas redes políticas é notável a "baixa entropia", significa que são altamente organizados.


CAETANO, Josemar Alves; OLIVEIRA, Jaqueline Faria de; LIMA, Helder Seixas; et al. Analyzing and characterizing political discussions in WhatsApp public groups. ArXiv, abr. 2018. Disponível em: <https://arxiv.org/abs/1804.00397>.

São redes construídas de modo opaco, quase clandestino, e por agentes relativamente restritos e profissionalizados. Essas tais redes políticas se organizam e se especializam: umas mais dedicadas aos valores religiosos, outras identitárias, em uma topologia muitas vezes descrita por especialistas como uma "câmara de eco" (ver, por exemplo, os trabalhos como EVANGELISTA, Rafael; BRUNO, Fernanda. WhatsApp and Political Instability in Brazil: Targeted Messages and Political Radicalisation. Internet Policy Review, Berlin, v. 8, n. 4, p. 1-23, 2019).



Essa expressão, "Câmara de Eco", parece ser boa definidora de uma das principais funções das redes políticas que se formam no complicado ecossistema de listas e grupos das plataformas de comunicação. A expressão pretende traduzir um dos eixos fundamentais dessas redes: REFORÇAR UMA MENSAGEM.


É absolutamente fundamental existir esse ecossistema de reforço das mensagens políticas. Na literatura especializada o "viés de confirmação" é uma potente produtora de engajamento. Significa dizer que uma mensagem precisa ser reforçada, para que aos poucos seja gerada uma percepção de pertencimento, de compartilhamento de idéias e valores. Por isso o conteúdo mais disseminado nas redes políticas bolsonaristas não tem qualquer função politizadora, muito menos promotora de diálogos e defesa de projetos políticos. O foco central é o "viés de confirmação", quer dizer, reforçar algumas mensagens sobre valores e visões de mundo que encoragem o receptor das mensagens a se engajar naquele ecossistema.



Gustavo Resende e uma equipe de pesquisadores do Departamento de Ciência da Computação da UFMG pesquisaram um grande volume de interações em grupos de Whatsapp durante a greve de caminhoneiros e durante as eleições de 2018. Ao todo, 24 mil usuários; 600 mil mensagens e mais de 230 mil interações de áudios, vídeos e imagens.


Algumas considerações que podem ser extraídas do trabalho desses pesquisadores e que são fundamentais para nossa compreensão sobre as redes de influência bolsonaristas:


i) poucos usuários são responsáveis por grande parte do conteúdo produzido;


ii) os conteúdos são marcados por um forte apelo reacionário, mas, muito capazes de mobilizar emoções ligadas a valores intensamente enraizados na população;


iii) o conteúdo circulante nos grupos e listas das plataformas de comunicação tem imensa capacidade de impactar a pauta da WEB de uma maneira mais geral. Sobre esse terceiro vetor, explicam os autores:


"(...)Também, em geral, imagens com desinformação ultrapassam as fronteiras entre o WhatsApp e a Web muito mais rapidamente : 425 dias da Web para o WhatsApp e menos de 6 dias do WhatsApp para a Web. (...)Isso sugere, mais uma vez, que imagens com desinformação são mais frequentemente disseminadas a partir dos grupos de WhatsApp para o resto da Web do que imagens com conteúdos não checados(...)" (pág. 10). RESENDE, Gustavo; MELO, Philipe; SOUZA, Hugo; et al. (Mis)Information dissemination in WhatsApp: gathering, analyzing and countermeasures. In: INTERNATIONAL WORLD WIDE WEB CONFERENCE COMMITTEE (WWW’19), 28., 2019, San Francisco. Proceedings […]. San Francisco: maio 2019.

Em trabalho publicado em 2021, o Cientista Político Víktor Chagas apresentou um ensaio em que a equipe de pesquisa se debruçou sobre mais de 40 grupos de Watsapp ligados ao bolsonarismo. Os dados demonstram que, sempre que uma pesquisa de intenção de votos nas eleições de 2018 apontava estagnação de Bolsonaro ou crescimento da candidatura de Fernando Haddad, havia um fluxo maior de mensagens de teor anticomunista nos grupos bolsonaristas. Destaca o autor:


"(...)Muitos estudos têm reconhecido o backlash cultural e o ativismo troll como táticas consagradas de grupos de interesse e atuação política (Norris e Inglehart, 2019; Phillips e Milner, 2017)". CHAGAS, Viktor. Meu malvado favorito: os memes bolsonaristas de WhatsApp e os acontecimentos políticos no Brasil. Estudos Históricos (Rio de Janeiro); v.34 n.72. Jan-Apr 2021

Backlash e Ativismo Troll são formas de comunicação política que usam imagens, mensagens, conteúdos de desmerecimento do adversário (galhofa, anedotagem, bulling, mentiras; em poucas expressões: fake news e conteúdo de ódio). O interesse aqui é criar uma clara linha divisória: NÓS E ELES.


Claro que esse conteúdo serve para irritar a militância e as pessoas que orbitam em redes políticas adversárias. Mas, esse alvo é um bônus. O foco desse trabalho, profissionalizado e muito bem estruturado, é gerar forte sentimento de pertencimento dentro das fileiras das suas próprias redes políticas. Servem, portanto, como viés de confirmação.


O conteúdo, propriamente, é intenso em desinformação e preconceito. É proposital e tem fundamento nos trabalhos sobre comunicação e política. O exagero na linguagem, a força nas imagens e a contundência no estabelecimento de marcos morais que separem "eles" e "nós" ajuda na fácil identificação, pelos receptores, dos conteúdos explícitos e implícitos nas mensagens. E esse é o centro da ação: comunicar de forma rápida, forte e inapelável, gerando engajamento ao ativar emoções; pensamentos; convicções; padrões culturais. Desinformação, proselitismo e um humor cáustico e intolerante são bons veículos geradores desses resultado de "confirmação de pertencimento".


"(...)Desse modo, a tônica da desinformação e do humor de proselitismo político acompanha de perto a comunicação nesses ambientes. São várias as hipóteses para o uso político da desinformação, que abrangem desde o efeito cortina de fumaça, usado para desviar atenção das polêmicas em que o governo está envolvido, até o áspero clima político e os retrocessos morais e culturais que supostamente favorecem o presidente e seus aliados(...)." (pág 172). CHAGAS, Viktor. Meu malvado favorito: os memes bolsonaristas de WhatsApp e os acontecimentos políticos no Brasil. Estudos Históricos (Rio de Janeiro); v.34 n.72. Jan-Apr 2021

Disso tudo fica a necessária advertência: as redes de influência bolsonaristas se alimentam do pior que a comunicação é capaz de produzir. Mesmo o que parece uma derrota, um vexame, um desastre, talvez seja uma grande oportunidade para reagruparem seu imenso potencial de preservação de poder.


As plataformas de comunicação do campo progressista, e, mais amplamente, cada sujeito que não se identifica com a política e com a moral bolsonarista, tem a oportunidade de concentrar sua capacidade de influência e a criatividade de diálogo em formas e conteúdos que não reverberem as mensagens das redes de influência política bolsonaristas. O desafio de selecionar e aperfeiçoar as formas de comunicação progressistas é um dos aprendizados que parecem se descortinar nesse atual cenário político, mas, daqui pra diante, talvez seja uma tônica da disputa política. Não parece muito razoável que o campo progressista, voluntária ou involuntariamente, tenha suas plataformas de comunicação perturbadas com conteúdos que não dizem respeito às pautas que lhe são próprias. Já bastam as redes profissionalizadas do bolsonarismo atuarem na disseminação dos dissensos e das intolerâncias.


Esse campo extremamente diverso e agudamente marcado por severos choques eleitorais tem uma quantidade imensa de instigações: não está entre essas muitas tarefas do gelatinoso campo progressista servir de caixa amplificadora dos conteúdos que são das redes de extrema-direita. Muito menos, decretar vitórias e derrotas fora do tempo.
















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