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Foto do escritorFábio Queiroz

A quem serve a política de austeridade?

Por Fábio José Queiroz, historiador.


Em meio ao fortalecimento da extrema-direita e de impasses no campo da esquerda, não seria mais prudente a um governo que tem no seu eixo nevrálgico o maior partido da esquerda brasileira, adotar uma política social que, num amplo sentido, recuse as exigências da oligarquia financeira de “corte de gastos”, quer dizer, de austeridade fiscal?


Não, vociferam os burocratas de plantão, primeiro precisamos controlar as despesas governamentais (leia-se: os investimentos sociais) para depois adotarmos políticas públicas que favoreçam a maioria do nosso povo.

Imagem: montagem a partir da foto de (EDU ANDRADE/Ascom/MF/Flickr)


Alguém mais lúcido, no interior do condomínio governamental, poderia advertir: mas até lá corremos o risco de não haver mais povo disposto a nos ouvir. Não, reiteram os burocratas de plantão, precisamos liquidar o fantasma do desequilíbrio fiscal!


Essa figuração reflete a aposta de Fernando Haddad e Simone Tebet (dentre outros) em corte de gastos tributários como a via preferencial para salvar o governo Lula diante das pressões exercidas pela oligarquia financeira e amplificadas pela mídia empresarial.


O problema se complica mais porque, simbolicamente, Haddad deve apresentar o conjunto de medidas de revisão de gastos através de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) - o que pode significar demolir o que ainda resta de benefícios sociais na “carta magna” -, logo depois de uma excursão pelos centros do imperialismo. Isso depois de ouvir no Brasil, especialmente, os representantes do grande capital que, como sempre, exigiram corte de recursos sociais e de direitos.


Portanto, como ficou demonstrado mais acima, o burocrata prefere ouvir o alarido da Faria Lima do que o da imensa maioria do povo trabalhador, premido entre jornadas de trabalho estafantes e salários dolorosamente rebaixados, que o empurra ainda mais ao exercício de atividades laborais que complementem a renda familiar.


Assim, escrevemos este texto enquanto testemunhamos não o crescimento do alardeado trabalho decente, mas da hora extra sem fim, dos trabalhos ocasionais, da informalidade e do adoecimento profissional (provocado, em grande parte, pelo esmagamento das possibilidades de lazer e de descanso, mas, também, pelas contas que não fecham e produzem mil incertezas nas habitações de trabalhadores e trabalhadoras).


Tudo isso parece muito óbvio, mas não para a oligarquia financeira e os burocratas que manejam os planos e as políticas reais; planos e políticas que nutrem o governo com produtos recheados de glúten, que, amanhã ou depois, vão produzir alergias e inflamações no organismo governamental e, por alargamento, reforçarão qualitativamente um sentimento de desesperança popular que, hoje por hoje, ainda é quantitativo.


Logo, ainda há tempo de deter essa obra de destruição, traduzida em um programa de austeridade social, que não mexe nos interesses dos financistas e especuladores e ainda alimenta o júbilo de uma extrema-direita que, dentro desse horizonte infernal, encontra uma avenida aberta que a conduz aos ouvidos e às mentes de milhões que, cotidianamente, já sofrem com as condições materiais objetivas do capitalismo.


Teórica e politicamente, o governo Lula erra, e erra feio, crendo que ao adotar uma política de austeridade social, ancorada no arcabouço fiscal, será poupado pela vilania e o rugido da classe burguesa, que adota uma política de exigência e denúncia ante um governo que se assusta ao ouvir o primeiro grito da banca. Como ficou evidenciado na experiência do golpe contra a Dilma Rousseff, quanto mais um governo, que conta com a simpatia de milhões de trabalhadores (as), faz concessão ao grande capital, mais esse exige, chegando a ponto dessa forma governamental particular se tornar dispensável aos olhos da burguesia e desvantajosa aos olhos das camadas populares.


Como se vê, em todas essas situações, a política de austeridade serve unicamente aos interesses dos capitalistas, conduzindo, por outro lado, à desmoralização do governo e à confusão no seio da nossa classe.


Tebet disse que é preciso ter coragem para reduzir despesas ineficientes. Da nossa parte, achamos que o governo Lula precisa romper com essa estratégia ineficiente de se distanciar do programa que o elegeu, apartando-se da base social que segue acreditando nas promessas enfatizadas ao longo da campanha.


Essa etapa da luta de classes teve início com a vitória de Lula em 2022. Hoje, o governo vive uma disjuntiva: ou transforma essa vitória em um instrumento de mobilização da classe trabalhadora ou os burocratas vestirão os tristes figurinos de organizadores de derrotas.

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