QUANDO O ASSUNTO NÃO É QUENTE
Nesse Fevereiro de 2024 os assuntos quentes, aqueles que viralizam as postagens e que ganham as rodas de conversa e os disparos de compartilhamento, são coisas como o oportunismo sionista que desvia sua crueldade na direção de uma polêmica esdrúxula com Lula; o oportunismo legislativo da semana (a fúria legisferante vive desses oportunismos) que anuncia o fim da violência por conta da aprovação de um projeto que veda a “saidinha”; no caótico pós-carnaval que bombou o ranking de quem é mais bicheiro entre os bicheiros do samba, ou, quem é mais apocalíptico entre as arrebatadoras cantoras de Salvador.
Esse texto é a cara do fracasso digital. Não é intencional não, as redes sociais do Blog Intelectual Orgânico (nos procure no Instagram e no Facebook) adoram boas métricas de audiência. E, acredite, em que pese a contradição desse texto aqui, incapaz de furar um milímetro da bolha de inscritos e amigos, o Blog Intelectual Orgânico existe para colaborar com o ecossistema dos produtores de conteúdo progressistas e críticos do reacionarismo.
MAS QUANDO O ASSUNTO É NECESSÁRIO
Se o esse texto não surfa na popularidade dos debates mais calorosos desse mês, pode acreditar, é muitíssimo necessário para uma educação política emancipadora.
No meio de um turbilhão de manchetes sobre economia; críticas e elogios aos cortes nos gastos públicos; preocupações e euforias sobre os juros estadunidenses e as respostas do Banco Central brasileiro, vaga, meio perdido, um contingente de trabalhadores que assistem paralisados esse pugilismo em economês.
Então aqui “lá vai” a primeira observação do texto: o economês é uma gíria da burocracia elitista para dizer as suas coisas sem escandalizar os não iniciados. O problema é que os não iniciados, quase sempre, deveriam ser os mais interessados na transparência dos assuntos mascarados pelo economês.
Agora a segunda observação do texto: esse economês segue a modinha da informação alienante. Soterre o leitor com tantos escombros informacionais, e, dificulte tanto sua interpretação, que agradecido por tanta democracia de acesso, cada um indivíduo vai cambalear aturdido, entendendo menos das coisas hoje do entendia antes da avalanche de “informação”.
E é mais ou menos isso que acontece com o debate público, até mesmo nas universidades, que atravessa em velocidade voraz temas que deveriam ser deglutidos com menos pressa e mais apresso. Discussões centrais para uma educação política emancipadora ganham até mesmo rótulos estranhos : ortodoxia, datado, desatualizado, sem potencial de engajamento.
Veja, aqui temos a terceira observação do texto: entre esses debates driblados pelo economês e meio que escanteados pelos rótulos pouco atraentes, respira forte o debate sobre Luta de Classe.
Estudar, atualizar, entender, conseguir enxergar os conflitos de classe por debaixo dos escombros informacionais e do economês intimidador talvez seja tão relevante quanto produzir e disseminar conteúdo de grande capacidade mobilizadora. O assunto é sim, necessário.
LUTA DE CLASSE BEM NO CERNE: onde estão os Meios de Produção no economês? NA ECONOMIA POLÍTICA
O economês esconde tanto a luta de classes, quanto seus componentes, nos escombros das estatísticas econômicas. Quando nos debruçamos sobre o pantanoso universo das estatísticas econômicas precisamos levar conosco as necessárias advertências sobre as deliciosas malícias da econometria. Já bem orientou Nelson Senra, mais do que saber, há doses de poder que estão sendo expressadas pelos números, de sorte que o bom leitor é aquele que apreende a estatística não como uma produção de verdades, mas, como produção de saberes e poderes. A professora Jéssica Utts trata essa tarefa, problematizadora, com uma curiosa proposta: buscar dados na vida é crucial, mas, a tarefa mais importante é buscar a vida nos dados.
Isso significa que ao nos debruçarmos sobre quaisquer estatísticas, mas, sobretudo as econômicas, precisamos compreender que mais do que um malabarismo econométrico (numérico e matemático) estamos diante daquilo que efetivamente importa: uma Economia Política.
UTTS, Jéssica. M. Seeing Through Statistics. 2.ed. Califórnia: Cole Publishing Company, 1999.
SENRA, Nelson. O saber e o poder das estatísticas. Rio de Janeiro: IBGE. Com bibliografia comentada. 2005. Livro na íntegra disponível em:
Chegamos na quarta observação do texto: dizer que a leitura de estatísticas econômicas exige a mediação de base política para encontrar a vida, o saber e o poder que subjaz nelas, é a premissa desse comentário. Colhemos algumas estatísticas sobre índices macroeconômicos para o Brasil, e, de pronto, já se escancara a tal base política da escolha: não vamos ler econometrias quaisquer, escolhemos centrar o comentário em indicadores que podem ser aproximações da infraestrutura econômica brasileira (seus Meios de Produção) porque entendemos Economia Política tal como preconizado pela literatura marxista, quer dizer, mais do que o resultado de um dado econométrico, nos interessam as relações materiais (jurídicas, econômicas, políticas, simbólicas, etc) que estão na sua base.
"(...)A minha investigação desembocava no resultado de que tanto as relações jurídicas como as formas de Estado não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano, mas se enraízam, pelo contrário, nas condições materiais de vida (...) a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política (...)" (MARX, Karl. Prefácio à contribuição à crítica da economia política. São Paulo, Abril Cultural. Coleção Os Pensadores. 1978, pág. 129.)
ECONOMÊS TRIBUTÁRIO: componentes da receita do governo central a preços constantes?
O desafio desse comentário, portanto, é olhar para uma seleção de indicadores econômicos e empreender duas tarefas: traduzir seu economês e dar sentido político aos seus resultados.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é responsável pela publicação da “Carta de Conjuntura”, documento com periodicidade trimestral, traz uma análise dos principais temas econômicos, sempre acompanhada de projeções dos mais importantes indicadores macroeconômicos.
Carta de Conjuntura : n. 61, out./dez. 2023. Disponível em:
Vamos caminhar por alguns índices da Carta Conjuntura (e isso pode virar uma série, basta ir atualizando essa nossa observação nos trimestres subsequentes) e buscar vida nos dados. O interesse estratégico aqui é discutir como esses indicadores, por debaixo do seu economês, permitem que tenhamos um juízo sobre as bases materiais de organização da infraestrutura do capitalismo brasileiro, quer dizer, sair do economês pra entender a base material dos meios de produção do capitalismo brasileiro.
Há tantos modos diferentes de iniciar essa tarefa, mas, vamos dar o primeiro passo demolindo o economês do indicador “Componentes da receita do governo central a preços constantes”.
Nome feioso para algo que é certamente relevante. Na literatura marxista os dois pilares básicos para a (re)produção do Capital são a produção e a circulação. Todos indicadores de produção e circulação que estiverem escondidos pelo economês, portanto, nos interessam. Esse indicador, “Componentes da receita do governo central a preços constantes” é um deles, porque diz respeito à fração da produção e da circulação que o Estado brasileiro captura como receita tributária. Então, quando você olha para os resultados desse indicador de receita, de verdade, você está olhando para o fôlego da (re)produção do Capital. É isso aí, mais receita, mais produção e circulação, menos receita... viu como pode ser simples?
A Tabela do IPEA apresenta um resumo do comportamento das receitas do governo federal. Uma parte dessas receitas é derivada da produção e da circulação de bens e serviços (receita que expressa a dinâmica da reprodução do Capital). Marcamos em amarelo receitas fortemente vinculadas à produção e circulação: IPI (indústria), Cofins e CSLL (faturamento das empresas) e royalties de recursos naturais (Petróleo e CFEM).
Notamos uma queda nas receitas fortemente vinculadas ao desempenho industrial e do extrativismo mineral. Nos 12 meses (set2022 – set2023) o imposto sobre produtos industrializados registrou queda de 17%. A Contribuição sobre o Lucro Líquido retraiu pouco mais de 6% e as receitas sobre recursos naturais registrou retração de 14%. Menos arrecadação significa menos produção e menos circulação, e, menor atividade industrial implica em limitação de geração de empregos e expansão dos demais setores da economia. O que observamos nas séries históricas dos indicadores de produção e circulação, sobretudo do setor secundário (indústria), são sucessivas retrações na participação da renda nacional. Esse recuo sistemático dos setores produtivos é preditor de uma consequente redução na capacidade de investimento em Meios de Produção, veremos a seguir como isso se expressa a partir da leitura do indicador de Formação Bruta de Capital Fixo (calma, economês que já será demolido).
Antes, vale a nota sobre o crescimento na arrecadação do imposto de renda, que no caso brasileiro significa menos a tributação sobre a renda financeira e mais a tributação sobre salários.
Temos então a quinta observação do texto: até aqui a leitura da produção da vida material indica ao menos dois vetores de comportamento da dinâmica na reprodução do Capital na economia brasileira: (i) tendência de recuo da participação dos produtores nacionais na renda do tesouro (e também no PIB); (ii) indicação de menos investimento nos Meios de Produção.
ECONOMÊS NA MACROECONOMIA: consumo aparente de bens industriais?
Outro Indicador, o Ipea Mensal de Consumo Aparente de Bens Industriais é um dado que pretende indicar a demanda interna por bens industriais – definido como a parcela da produção industrial doméstica destinada ao mercado interno, acrescida das importações de bens industrializados. Queremos identificar se demanda e produção industrial apresentam algum sinal de força na dinâmica da reprodução do Capital.
O Gráfico resumo indica uma recuperação da demanda e da produção industrial no pós-COVID, seguida de uma reacomodação. Mas, a reacomodação significa um retorno das sucessivas quedas na produção, ou seja, enfraquecimento da atividade industrial (ao menos no que diz respeito ao mercado interno).
Até aqui, então, nos diz o economês: a produção de bens industriais segue a demanda de bens industriais. Parece pouco, porque não nos diz muito sobre que bens são esses que oscilam, como vimos, sempre nos patamares de reacomodação de uma tendência à queda na produção.
Vamos ao economês e decifraremos os chamados “Bens de Capital” ou “Bens de Produção”. Bem simples, são os equipamentos, instalações, bens ou serviços necessários para a produção de produtos ou serviços. São máquinas, ferramentas, equipamentos, e diversas construções que são utilizadas para produzir outros produtos para consumo. Estamos, então, bem de cara com os primeiros vestígios do que podemos chamar de infraestrutura da economia brasileira, seus Meios de Produção.
As indústrias de bens intermediários são aquelas que produzem bens manufaturados ou matéria-prima processada para outros ramos industriais, ou seja, para a produção de outros bens. São insumos que serão usados para outras indústrias produzirem, ou seja, elas coletam as matérias-primas processadas pelas indústrias de base e produzem peças e equipamentos que serão utilizadas nas indústrias de bens de consumo. Exemplo: peças para automóveis, motores para veículos, computadores, etc.
Nesse nosso brutal resumo, podemos inferir que uma aproximação do mundo concreto ao conceito de Meios de Produção pode estar descrita nos indicadores de bens industriais de capital e bens industriais intermediários. Índices positivos, vida boa para os proprietários dos Meios de Produção, índices negativos, dificuldade no horizonte.
Os dados coleados pelo IPEA dão conta da retração na produção de bens de capital ( -2,6%) e dos bens intermediários ( -3,3%) no período AGO22-AGO23. A leitura possível desse resultado é que os meios de produção à serviço do Capital brasileiro sofreram uma retração no período.
Na verdade, a série histórica desse indicador é desfavorável ao Capital nacional já faz duas décadas. O resultado do período também fornece uma pista interessante. A produção de bens duráveis, semi e não duráveis, cresce. Traduzindo o economês, a nossa infraestrutura econômica continua produzindo bens, que vão alimentar uma demanda (circulação). Isso significa que, ao mesmo tempo, podemos conviver perfeitamente com PIB crescente e Meios de Produção vulnerabilizados.
A notícia é boa para os proprietários dos meios de produção, que embora se afundem na divisão internacional do trabalho (perdem vez para seus concorrentes do centro do capitalismo) ainda podem expropriar trabalho alheio. A má notícia é todinha do trabalhador, porque a deterioração dos Meios de Produção implica na precarização das relações produtivas. A corda arrebenta sempre em prejuízo do Trabalho, ainda que o Capital caminhe mais devagar.
ECONOMÊS NOS MEIOS DE PRODUÇÃO: Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF)?
O economês tenta assustar com um indicador muito importante, o Indicador Ipea de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Nesse indicador estão reunidas informações sobre investimentos naquilo que vimos no indicador de produção industrial. Quer dizer, lá no indicador de produção olhamos para o volume produzido e para uma tendência de crescimento ou recrudescimento (o que é o caso brasileiro) dos meios de produção.
Esse indicador, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), ainda se debruça sobre máquinas e equipamentos. Quer dizer, ainda estamos olhando para os Meios de Produção. Desta vez, no entanto, podemos analisar o quanto de capital está sendo investido na modernização, na complexificação, no dinamismo da infraestrutura da economia brasileira.
Maior FBCF significa, numa simplificação que vamos adotar, menor capacidade competitiva dos Meios de Produção. Menos investimentos significa menor desenvolvimento técnico e tecnológico.
Bem recentemente, no interior do Estado do Rio de Janeiro, na cidade de Volta Redonda, a população se mobilizou em protesto contra a brutal poluição gerada pela CSN (indústria siderúrgica). O pó preto que a CSN joga na cidade é tanto que as pessoas não conseguem mais respirar. Existem ações na justiça contra a CSN, existe até um Termo de Ajuste de Conduta que a indústria deveria respeitar. E esse Termo de Ajuste diz exatamente que a CSN seria obrigada investir em Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Ocorre que durante os anos os controladores da empresa simplesmente não investiram um tostão em tecnologia ambiental e com o tempo a defasagem técnica e tecnológica culminou na situação insuportável em que os rejeitos industriais saem dos equipamentos da fábrica direto para os pulmões da população.
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) é isso, investimento em desenvolvimento técnico e tecnológico dos Meios de Produção. Quanto menor a FBCF, menos competitivo os Meios de Produção. Menos competitivos é a forma do economês dizer que a economia brasileira se posiciona em uma lugar de dependência na Divisão Internacional do Trabalho (DIT).
A tabela resume a queda nos investimentos. Mês a mês, trimestre a trimestre, a infraestrutura da economia brasileira perde complexidade e competitividade. Vê constrangida sua capacidade de gerar melhores empregos e pagar salários mais decentes.
Não tem muito pra onde escapar, baixo investimento (ou pior, queda no investimento) em FBCF implica em defasagem na complexidade dos Meios de Produção, em uma crescente dependência de tecnologia e produtos complexos, na piora da Matriz Insumo-Produto (tem tradução desse economês logo a seguir) e, como decorrência desse processo, em uma inserção subalternizada, dependente, na Divisão Internacional do trabalho.
Temos aqui a sexta observação do texto: olhar os dados materiais da vida econômica e cotejá-los à luz da Economia Política fornece a base suficiente para compreender os sucessivos resultados que apontam a precarização do emprego e o achatamento da renda do trabalho. Até quando os empregos aumentam, parte significativa (as vezes a maior parte) pertence às ocupações de alta precarização, instabilidade e insegurança laboral.
E esse é o cenário, quanto mais dependentes, quanto mais os Meios de Produção da economia brasileira se desqualificam, maiores são os desafios impostos aos trabalhadores na produção da sua vida material.
ECONOMÊS NUNCA MASCAROU NOSSA DEPENDÊNCIA
No economês mais sofisticado encontramos um importante indicador (na verdade uma matriz de indicadores) do estado da arte do setor produtivo de um determinado local e de uma determinada época. A Matriz Insumo-Produto (MIP) é apresentada como um poderoso instrumento de análise dos encadeamentos produtivos de determinadas atividades sobre os demais setores da economia.
Traduzindo do economês para a Economia Política, a MIP é uma forma de enxergar a inserção de uma economia na Divisão Internacional do Trabalho - DIT. Na literatura marxista isso é uma baita ferramenta para compreendermos quem somos na divisão de poderes. Melhor posicionamento na DIT significa mais capacidade de reprodução do Capital e mais poder na imposição de dinâmicas econômicas e sociais, em detrimento às economias subalternizadas.
A Matriz Insumo-Produto é uma cesta de indicadores, no Brasil esse indicador é produzido pelo IBGE, que permite visualizar como diferentes setores da economia contribuem para a formação do PIB brasileiro. Grosso modo, quanto mais sofisticados os setores líderes em representatividade no PIB, melhor a posição do país na Divisão Internacional do trabalho. Dos muitos resultados que podemos analisar nessa Matriz, a presença dos setores classificados como “setores-chave” ganha relevância.
Os setores-chave são aqueles que têm um grande efeito de transbordamento por toda cadeia produtiva e que detêm, por sua vez, elevado impacto em toda cadeia produtiva, portanto, possuem uma maior capacidade de gerar crescimento econômico e são estruturantes na reprodução do Capital. A professora Laura de Carvalho resume em seu estudo sobre a indústria brasileira que perdemos força nos setores-chave (setores ativos) e ganhamos posições nos setores de baixo poder na Divisão Internacional do Trabalho (setores passivos).
“(...)caminhamos fortemente para uma especialização da indústria nacional mais passiva do que ativa, isto é, resultante do baixo dinamismo da demanda e da economia brasileira em geral, com uma certa rigidez estrutural que privilegia atividades com perfil de investimento de retornos rápidos e de baixo risco - característico de bens de menor conteúdo tecnológico. Ademais, a liberalização favoreceu os setores mais maduros da economia, que, no caso brasileiro, são os menos intensivos em tecnologia, como commodities e bens tradicionais(...)”
CARVALHO, Laura Barbosa de. Diversificação ou especialização: Uma análise do processo de mudança estrutural da indústria brasileira nas últimas décadas. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2010.
O apontamento que conclui nossa inserção subalternizada na DIT (Divisão Internacional do Trabalho) pode ser, ainda, ilustrada quando mergulhamos na tal MIP (Matriz Insumo-Produto). Nos trabalhos de prospecção do comportamento dos setores produtivos brasileiros e sua participação na MIP aparecem com clareza a estagnação dos setores produtivos com capacidade de oferecer dinamismo à economia nacional.
O trabalho de Felipe Machado mergulha nesses dados e oferece uma revisão bibliográfica sobre a participação dos setores produtivos na MIP brasileira.
A tabela acima é uma seleção do autor com os setores produtivos brasileiros com mais e menos complexidade (complexidade é exatamente a importância do setor na produção dos demais setores produtivos da economia). O destaque é que nenhum dos setores listados são identificados como Setor-chave, nem entre os mais complexos nem entre os menos complexos.
MACHADO, Felipe Augusto. Avaliação da implementação das políticas industriais do século XXI (PITCE, PDP e PBM) por meio da atuação do BNDES sob a ótica da complexidade. 2019. Dissertação (Mestrado em Economia) - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasília, 2019.
Uma coisa é importante dizer, o que os resultados da Matriz Insumo-Produto permitem dizer é que a estrutura produtiva nacional aponta para uma inserção da economia brasileira em uma posição inferior na Divisão Internacional do trabalho.
Aqui vamos para a sétima observação do texto: o economês insiste em ocupar o show midiático confundindo a audiência com a incompreensível preocupação com o PIB (produto interno bruto). Esse jargão do economês que quer dizer tão pouca coisa. Quando traduzimos o economês para a Economia Política entendemos que o conjunto da produção da economia brasileira quer dizer muito pouco. Setores subalternizados podem produzir um PIB crescente, desde que o CENTRO DA (RE)PRODUÇÃO DO CAPITAL demande seus bens e serviços. Mais relevante é compreender a inserção real, material, da infraestrutura econômica na Divisão Internacional do Trabalho. Meios de Produção pouco dinâmicos e incapazes de competir com as estruturas produtivas mais dinâmicas resulta em relações de produção igualmente subalternizadas. Numa tradução bem simplista, se vamos mal na organização da infraesrtrutura econômica a produção da vida material dos trabalhadores é afetada expondo a força de trabalho à constante precarização.
“(...)Mesmo o Brasil tendo uma pauta de exportações bastante diversificada e, portanto, produzindo produtos de diferentes níveis de complexidade, a estrutura produtiva da economia brasileira reflete a baixa competitividade internacional dos produtos mais complexos. Ou seja, existe um condicionante histórico (decorrente da trajetória, lock in etc) que revela as limitações da estrutura produtiva nacional em fazer com que bens mais complexos ocupem um lugar de destaque na pauta de exportações, mecanismo que tem se autorreforçado no século XXI(...)”
“(...)O fato de a estrutura produtiva, sobretudo em relação aos principais produtos exportados, estar centrada em produtos que não são difusores de tecnologia (DT) revela a precariedade do desenvolvimento econômico nacional em um cenário em que as estratégias de desenvolvimento estão cada vez mais dependentes da complexidade e da sofisticação produtiva. Nesse sentido, a crescente relevância dos efeitos de encadeamento de produtos menos complexos, aliada ao aumento da sua participação na pauta de exportações, pode ser considerada um fator dificultador do desenvolvimento econômico nacional, ainda que contribua para o crescimento do PIB em alguns períodos.
PEREIRA, Adriano José; SILVA, Guilherme Jorge da; LARRUSCAIM, Igor de Menezes. COMPLEXIDADE ECONÔMICA E A ESTRUTURA PRODUTIVA BRASILEIRA: O PADRÃO DE EXPORTAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NACIONAL NO SÉCULO XXI. Revista de Economia Contemporânea, v. 27, p. e232717, 2023.
ECONOMÊS NUNCA MASCAROU NOSSA DEPENDÊNCIA
O debate acadêmico sobre o desenvolvimento de um capitalismo dependente, no Brasil, ocupou atenção de uma rede de pesquisadores que fornece um material crucial para a análise crítica (aprofundada) e qualificada dos padrões de desenvolvimento econômico brasileiro e das formas desiguais e dependentes de como a reprodução do capital tem imposto não apenas uma posição cada vez mais subalternizada da matriz econômica brasileira na divisão internacional do trabalho, mas, e sobretudo, tem forjado cenários de crescente superexploração da força de trabalho do nosso proletariado. Quem deseja conhecer mais esse debate pode começar pela produção dos clássicos Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra e Theotônio dos Santos.
BAMBIRRA, Vânia. O capitalismo dependente latino-americano 4. ed. Florianópolis: Insular, 1972.
DOS SANTOS, Theotônio. Imperialismo y dependencia Caracas: Fundación Biblioteca Ayacucho, 1978.
MARINI, Rui Mauro. Subdesenvolvimento e revolução Florianópolis: Insular, 2013[1974].
Uma ótima síntese sobre as transformações do padrão de reprodução do capital experimentada pela “revolução burguesa brasileira”, o desafiador horizonte de uma superação das suas contradições e pesada tarefa de operar transformações de base na sociedade brasileira, pode ser encontrada no trabalho de Castelo, Brettas e Rocamora.
“(...)No último quartel do século XIX, o capitalismo dependente brasileiro gestou, pela sua própria dinâmica de desenvolvimento, uma nova classe social: a burguesia industrial, formada no bojo das oligarquias. A partir da conjuntura aberta pela Primeira Guerra Mundial e pela crise de 1929, essa classe soube aproveitar as novas determinações externas e internas para dirigir a tomada da hegemonia no bloco dominante e alterar o padrão de reprodução do capital vigente, do agromineiro exportador para o industrial.
Tais mudanças resguardaram parte do poder econômico e político das oligarquias agrárias e, especialmente após o fim da Segunda Guerra Mundial, das burguesias imperialistas, com as quais a burguesia industrial brasileira aprofundou sua integração subordinada e contraditória. Esse processo histórico, para os fundadores da TMD, consiste na nossa “revolução burguesa”, e seus desdobramentos históricos tornaram fadado ao fracasso qualquer projeto estratégico que enxergasse na burguesia brasileira potencialidades para agir como uma “burguesia nacional”, disposta a realizar tarefas democráticas, de reforma agrária e de defesa da soberania nacional.
Compreender as especificidades do desenvolvimento capitalista dependente é condição basilar para a construção da Revolução Brasileira. De um jeito ou de outro, a “revolução burguesa” foi concluída no país. Não se trata mais de tarefa em atraso. Segundo as teses advogadas pela TMD, a revolução brasileira está envolta no projeto proletário de transição socialista. Essa tarefa coletiva segue em aberto e exige um esforço interpretativo criativo, que, fugindo de transposições mecânicas, mergulhe em uma análise concreta de situação real de nossa formação econômico-social, com a qual os clássicos do pensamento marxista dependentista têm muito a contribuir(...)”.
CASTELO, Rodrigo; BRETTAS, Tatiana; ROCAMORA, Guilherme de. A “revolução burguesa” no Brasil na perspectiva da teoria marxista da dependência. Serviço Social & Sociedade, v. 146, n. 3, p. e–6628350, 2023. Disponível em
O economês jamais mascarou a análise material das condições da matriz produtiva no Brasil. A Economia Política é um instrumento potente de educação e consciência de classe.
Traduzir a verborragia do economês, apontando elementos concretos de como a vida material pode ser compreendida a partir de uma leitura mais consciente de indicadores econômicos, pode abrir horizontes para uma intervenção mais crítica e mais transformadora do campo progressista. O importante é desnaturalizar as condições de precarização da força de trabalho, politizar as relações entre meios de produção e forças produtivas, descaracterizar o regime de produção capitalista como único inexorável e lógico e disputar de forma potente os espaços hegemônicos, reconhecendo que muito mais do que simples disputas de narrativas, precisamos enfrentar a questão de fundo, a Luta de Classes.
"Não basta que as condições de trabalho cristalizem em um dos pólos como capital e no outro pólo contrário como homens que não têm mais nada que vender a não ser sua força de trabalho. Não basta tampouco obrigar estes a se vender voluntariamente. No transcurso da produção capitalista, vai sendo formada uma classe operária que, por força de educação, de tradição, de costume, se submete às exigências deste regime de produção como às mais lógicas leis naturais. A organização do processo capitalista de produção já desenvolvido vence todas as resistências, a existência constante de uma superpopulação relativa mantém a lei da oferta e da demanda de trabalho em concordância com as necessidades de exploração do capital, e a pressão surda das condições Econômicas sela o poder de mando do capitalista sobre o operário. Ainda é empregada, de vez em quando, a violência direta, extraeconômica; mas só em casos excepcionais. Dentro do transcurso natural das coisas, já pode deixarse o operário a mercê das 'leis naturais da produção', isto é, entregue ao predomínio do capital, predomínio que as próprias condições de produção engendram, garantem e perpetuam." (MARX, Karl. O Capital : crítica da economia política. I, XXIV, p.627).
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