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Partidos de tendências: a fórmula do fracasso


Por Sued Carvalho, professora.


Imaginemos a situação: Em um país X, determinada região rebela-se contra o governo central, que é de caráter esquerdista e não cai nas graças da imprensa ocidental. Membros de Partido Y no Brasil declaram apoio a tais manifestações, reconhecidamente influenciadas por serviços de inteligência imperialista, gerando uma polêmica entre os esquerdistas nacionais, entretanto outros membros do Partido Y justificam, afirmando que quem tomou o lado dos rebeldes pertencia a tal tendência e eles, por serem de uma tendência diferente, discordavam e se colocavam contra tais manifestações ocidentalizantes.


Nó na mente? Pois é, este nó chama-se partido de tendências.


O Partido de tendências deixa de ser, na prática, um Partido, pois perde-se a perspectiva de um projeto unificado e claro para a sociedade, transformando-se em um guarda chuva de vertentes ideológicas e projetos políticos, muitas vezes contraditórios, unidos por uma agenda mínima bastante ampla e difusa. Vejamos um exemplo disso no estatuto do Partido dos Trabalhadores (PT), cujo art. 1º determina:


“O Partido dos Trabalhadores é uma associação voluntária de cidadãs e cidadãos que se propõe a lutar por democracia, pluralidade, solidariedade, transformações políticas, sociais, institucionais, econômicas, jurídicas e culturais, destinadas a eliminar a exploração, a dominação, a opressão, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o socialismo democrático.”.

Percebam: Que democracia? Transformações políticas, sociais, econômicas, institucionais, jurídicas e culturais para erradicar a desigualdade, opressão, injustiça e miséria por que meios? De que formas? Existem diversas “esquerdas” e cada uma delas responde a estas questões de diferentes maneiras, em qual o Partido se enquadra? Isso, em nenhuma abertamente, a amplitude e a falta de objetividade na construção do estatuto é pensada para conseguir abraçar todos os tipos de esquerda, da mais liberal até os Leninistas que se dispuserem a cair nesta pegadinha.


A primeira objeção a esse tipo de Partido é que ela é derrotista e eleitoreira, a organização partidária desistiu de mudar estruturalmente a sociedade e, assim, quer conseguir peso numérico dentro dos marcos da sociabilidade capitalista com o objetivo de ascender ao poder institucional. A melhor forma de fazer isso é com uma pauta objetiva mínima e uma moderação no material de “formação” com o objetivo de atrair todas as esquerdas e, até mesmo, uma centro-direita. Lenin (1978, p. 06), percebeu estas inclinações ao criticar Bernstein e os caminhos tomados pelo Partido Social-Democrata Russo rumo ao fracionismo. Para o revolucionário, Berstein:


Declara inconsistente a própria concepção de “objetivo final” e rejeita categoricamente a ideia da ditadura do proletariado; nega a oposição de princípios entre o liberalismo e o socialismo; nega a teoria da luta de classes, considerando-a inaplicável a uma sociedade estritamente democrática, administrada segundo a vontade da maioria, etc. (...) Em seu conteúdo, essa tendência não teve de se desenvolver e de se formar, foi transplantada diretamente da literatura burguesa para a literatura socialista.

A origem do “Partido de tendências” está na disputa pela hegemonia institucional, primariamente, a vitória nas eleições burguesas, não como tática, mas como a única estratégia. A esquerda “socialista” é, ao cair neste "sonho de princesa", domesticada.


A segunda objeção é a formação de majoritárias e minorias. É inevitável que um partido “pega tudo” de esquerda forme majoritárias que monopolizaram a ação partidária formalmente. Apesar de tais organizações partidárias procurarem oferecer igualdade de representação às tendências, estas têm de disputar entre si a maioria dos filiados para conseguir maioria nas votações e fazer que suas formulações sejam aceitas “formalmente”. Desta forma uma tendência é jogada contra a outra e as mais radicais são obrigadas a fazer concessões em alianças internas para vencer pleitos. Os leninistas que embarcam nesta aventura para “buscar hegemonia” são obrigados ao reboquismo. Assim, a própria organicidade estrutural partidária impede um projeto mais objetivo, claro e direcionado, com o objetivo de manter esta falsa diversidade, surge uma burocracia cada vez mais pesada, influenciável e carreirista.


A terceira objeção é a infiltração. Sendo o Partido de tendências tão amplo, tão contraditório, tão desigual, torna-se propenso a violentas divisões, rupturas e lobby interno. Uma tendência, com o objetivo de manter a majoritária e, logo, o quase monopólio das declarações e ações formais, pode, explicitamente ou nas sombras, silenciar a minoritária (De um conflito como estes nasceu o PSTU, originalmente uma tendência do PT), este clima de belicosidade e ressentimento organizacional abre portas para a sabotagem e a infiltração de elementos abertamente anti-esquerdistas que, aproveitando-se dos conflitos, procuram tornar o Partido ainda mais ineficiente e, até mesmo, coopta-lo.


Não podemos esquecer, também que “As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante.” (MARX, 2008, p. 47) e, assim, um partido com pautas postas de forma tão ampla, tão difusas, disposto a fazer tamanhas concessões e concorrendo, primariamente, ao parlamento burguês, tenderá, para manter-se no jogo, a reproduzir ideias e ética da burguesia. Vivendo em uma sociedade burguesa, que mantém a reprodução de si mesma ideologicamente, naturalizando as relações históricas de opressão, a maioria das pessoas terá mentalidade burguesa, isto é, terão como “normais” os princípios elementares da exploração da burguesia sobre o proletariado, e o partido abrindo-se acriticamente para várias tendências dentro da esquerda terá, consequentemente, uma majoritária que tende ao jogo da burguesia.


É isto que temos visto em Partidos como o PT e o PSOL, por exemplo, conseguem crescer enormemente em pouquíssimo tempo, mas a que preço? Sacrificando a defesa aberta das mais urgentes pautas dos trabalhadores e camponeses, como a reforma agrária, fim do vestibular, universalização radical do ensino público, entre outras, e olhe que nem estou falando aqui de fim da propriedade privada.


O objetivo deste texto foi ser uma pequena síntese dos principais problemas da formação de Partidos de Tendências, que não são novidades, tampouco inovadores, pelo contrário, são velharias da estratégia burguesa de desmobilização da esquerda no sentido da construção de um projeto firme, objetivo e transformador da sociedade, Lenin já os enfrentava em seu clássico tratado “O Que Fazer?”. Qual o papel dos leninistas nestas organizações? Serem transformados em massa de manobra, rebaixados a reboquistas, na esperança de, um dia, terem a hegemonia ante os milhões de filiados. Esperança vã. O legítimo lugar dos Leninistas é nos Partidos comunistas revolucionários, claros em seus objetivos e unificados na prática pelo centralismo democrático.


Livros utilizados:

LENIN, Vladmir Ilitch. O que fazer?: As questões palpitantes de nosso movimento. 1ª ed. Editora HUCITEC, São Paulo, 1978.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 1ª ed., Boitempo Editorial, São Paulo, 2008.

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